Crítica de Vidas Passadas
- mindinmaia
- 1 de mar. de 2024
- 3 min de leitura
O conceito filosófico e/ou religioso de reencarnação fala sobre a presença de uma essência não física que, ao desencarnar (se desvincular da matéria física), inicia uma nova vida, num novo ser. Ainda se especula que, algo muito almejado numa vivência anterior, se propagaria nas próximas transmigrações, como, por exemplo, o desejo por outro ser. Num dado momento do filme, Nora (Greta Lee) afirma a Hae Sung (Teo Yoo) que, possivelmente, eles possam estar vivenciando a condição explicada acima.
Embora Celine Song tenha utilizado o termo “vidas passadas” no título de seu filme e na ideia chave para a sugestão da condição relacional entre os protagonistas, a metafísica se limitou a isto. Aliás, Vidas Passadas trata de uma experiencia da diretora, que foi transpassada às telonas. Amigos de infância, Nora e Hae Sung sempre foram envoltos por um laço profundo, que se intensificou ainda mais na iminência da emigração da menina aos EUA. Vinte e quatro anos depois, se reencontram através de redes sociais, introduzindo uma nova e saudosista rotina à dupla.
Numa fotografia bem pálida e fria, Song destrincha cada personagem de acordo suas vivências: ele, engenheiro, ela, escritora. Nesta etapa, já aceitando e dividindo suas vidas em antes e depois da mudança, quando Nora introduz o conceito de vidas passadas. A vontade e a necessidade do reencontro á o combustível da nova rotina e, conforme o tempo passa, tudo tende a sair do controle. Quando Nora toma uma decisão que só vai reverberar mais à frente. Assim, tem-se a segunda ruptura.
Tempos depois, já casada com Arthur (John Magaro), Nora e Hae Sung finalmente se reencontram, em Nova York. Diferente do que se espera em filmes de almas gêmeas, Celine Song preparou um reencontro mais engessado, mais concreto e maduro entre eles. Fugindo do tradicional "... se encontraram e foram felizes para sempre ...", a diretora nos dá uma aula de dinâmica comportamental. Enquanto assistimos com felicidade no peito o dois conversando depois de anos, uma semente de tensão é plantada. Tensão esta gerada pela possibilidade de o casal ficar junto, dado o que nos foi revelado e a forma como Song trabalhou cada camada deles.
A frieza das conversas contrastadas com a fotografia anteriormente pálida, agora acinzentada, cimenta um concreto (sim, isso mesmo) sentimento de “tudo nos levou até aqui”, distanciando ainda mais o “final feliz” dos protagonistas, esperado tanto pelos que receberam a semente, que já se encontra germinando. Num momento, o próprio Arthur brinca que, se a história deles acabasse como num conto de fadas, ele seria considerado um vilão, por estar entre os dois (tal comentário aplicado não só a atual situação, mas como embate criativo aos anseios de Nora, como escritora). Fato contornado sabiamente por ela, evidenciando ainda mais sua plenitude comportamental.
Toda a tensão e expectativas criadas pelos dois (e por nós), chega ao ápice quando Hae Sung percebe que o embate que estão tendo nada mais é do que um passado curando um presente.

A necessidade de pôr um ponto final numa dúvida que durava décadas e os impedia de seguir suas vidas da maneira que queriam. Embora ele, mais afetado pela separação, ainda sentisse uma faísca de chance de reconquistá-la, sabia que não faria porque a capacidade dela de readaptação sobressaiu seus anseios. Nora, por sua vez, segura mais seus sentimentos, mesmo conversando na sua língua nativa ou em momentos a sós com Sung, evita a máxima exposição. No momento de maior emoção do filme, a despedida inverte os papéis, quando ela desaba e ele é tomado por um alívio nunca antes sentido.

Vidas Passadas é um exercício de maturidade emocional, nem sempre de fácil superação, porém, necessária para o fechamento e abertura de novos horizontes. Sobre perdas? Sim. Sobre luto? Também. Mas, sobretudo, pela necessidade da experimentação. O típico filme em que “nada acontece”, enquanto uma enxurrada de emoções sobressaem a tela, nos infectando com os mais diversos prazeres que a sétima arte tem a oferecer.
★★★★★ 5/5
Comments